Memórias de carimbos num passaporte que passou o prazo de validade
Tailândia 2014
Esta foi para mim umas das entradas mais memoráveis na fronteira de um país. E uma saída da fronteira de um país também.
(E de repente lembrei-me também das memoráveis travessias entre Portugal e Espanha, quando ainda haviam fronteiras e o bacalhau era mais barato do lado de lá e tinha que vir escondido na mala e eu tinha p'raí uns 4 anos e não percebia o motivo de tanto secretismo. Os adultos ficavam nervosos. Eu ficava nervosa pelo nervosismo dos adultos e por não perceber nada do que se estava a passar. E se descobrissem a minha boneca? Era tão mau quanto o bacalhau? E se descobrissem os rebuçados de laranja e limão?! Bom, mas isso nunca deu direito a carimbo no passaporte!)
Voltando à Tailândia, ou melhor, voltando ao Cambodja, que foi por lá que entrei na Tailândia. A pé!
A carrinha que nos levou de Siem Reap à fronteira com a Tailândia não passaria a fronteira. Deixou-nos uns metros antes. Pegamos nas malas e lá fomos num "follow the leader", como já estávamos habituados!
Uns bons minutos para as burocracias da saída - muitos turistas, muito calor. Tudo em ordem. "Follow the leader". Arrasta mala. Sobe escada. Nova fila. Longa fila. O costume, diz o líder. Melhor até que no ano anterior, em que demoraram umas 5 horas. Muito melhor, acho que demoramos umas duas horas. Conversamos uns com os outros, conversamos com os outros dos outros, comemos, havia quem jogasse sudoku. Arrasta mala. Empurra para não passarem à frente - não sou boa nestas coisas!
Estava quase! A ansiedade aumentava! Para que lado vou?! Quero tirar uma fotografia aos pezinhos amarelos que estão impressos no chão, uns metros antes do guiché. Não sou capaz. Estou ansiosa!
Lá fui! Carimbo no passaporte! Lá vieram os outros também!
Depois de descobrirmos uma nova carrinha onde coubéssemos todos e as malas lá fomos para Banguecoque.
Demorei a perceber de que lado se conduz na Tailândia. Havia trânsito. A viagem foi quase toda em contra-mão...
Banguecoque foi, no início, um soco no estômago. Chegada do Cambodja, dos templos de Angkor misturados com as raízes das árvores e entrar naquela gigantesca metrópole não me trouxe amor ao primeiro respiro poluído.
Aos poucos fui-me deixando conquistar. Uma massagem tailandesa ajudou. A gastronomia tailandesa ajudou. Os monumentos ajudaram. O passeio de barco ajudou.
E a cerimónia das almas?! A cerimónia em que os monges saem do mosteiro ao acordar da aurora, descalços, com uma espécie de marmitas no colo e recebem as ofertas de alimentos que que deseja está lá à porta para oferecer. E feliz de mim, completamente conquistada pelo momento, por Banguecoque, que fui chamada por uma delicada sra, que me deu um saquinho de arroz e outro de algo que me pareceu uma carne estufada. Apontou para o monge que estava mais longe de nós, o mais idoso de todos. Segurava-se num andarilho, tinha um colar na cervical e uma cinta a apoiar o resto das costas. Fui, descalça, fazer-lhe a minha oferta, abençoada já pelo que via e por ter tido a oportunidade de lhe levar os saquinhos com comida. Ofereci. Coloquei-me em posição para ser abençoada por ele também. Regressei ao meu grupo com um sorriso vertical, dos pés à cabeça!
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